Sob proposta de oito sócios da Associação Portuguesa de Sociologia foi aprovada, em Assembleia Geral, uma nova secção temática que visa dar visibilidade a uma área de estudo tratado por várias disciplinas das ciências sociais e humanas e onde a sociologia tem tido um papel proeminente.
Esta área tem vindo a ser designada de inúmeras formas que variam de acordo com contextos, as unidades de análise e enfoque analítico, Descreve o envolvimento dos indivíduos em sociedade, frequentemente de forma coletiva e mais ou menos organizada: organizações não-governamentais, organizações sem fins lucrativos, terceiro sector, economia social, economia solidária, economia popular e microempreendedorismo, empresas sociais, empreendedorismo social e coletivo, sector voluntário, militantes, ativistas, movimentos sociais, participação cívica…
Se desde Alexis de Tocqueville, e a sua célebre viagem aos Estados Unidos, as associações são um campo de interesse para os sociólogos, é sobretudo nos anos 70 do século XX e posteriormente em fases de crise económica e de crise do sistema da democracia representativa que as formas alternativas de organização económica e participação cívica ganham impulso. A estruturação deste “sector” ocorre com a proliferação de organizações, a constituição de redes e corpos federativos, a atenção dos governos e o envolvimento dos académicos. A título de exemplo refira-se que no início dos anos 70, nos Estados Unidos surge a ARNOVA – Association for Research on Nonprofit Organizations and Voluntary Action e, em França, nos anos 1986, estrutura-se a RECMA como Revue des études coopératives, mutualistes et associatives. Mais tarde, em alguns países da América Latina e do Sul da Europa configuram-se movimentos e redes, frequentemente ligados à universidade, de fortalecimento de outras formas de fazer economia, nomeadamente a partir de 2002, aquando da organização dos primeiros Fóruns Sociais Mundiais em Porto Alegre, Brasil.
A estruturação deste campo tem sido acompanhada pelo interesse científico, traduzido no aumento de investigação, publicações e associações multidisciplinares de investigadores/as. A atenção sociológica ao sector não lucrativo nota o significativo crescimento destas organizações desde meados do século XX, justificando-se um maior interesse por parte da sociologia (DiMaggio e Anheier 1990).
As abordagens sociológicas ao sector não lucrativo, sobretudo nos EUA, têm sido enformadas pelas teorias neo-institucionalistas, os estudos organizacionais e teorias sobre capital social e participação (Sager 2009), focando contextos, instituições, normas e valores, em alternativa às abordagens da escolha racional. O enfoque na ação tem disso explorado, por exemplo, a partir das teorias dos campos (Barman 2016). Na Europa há uma importante tradição do estudo do associativismo e das associações (Meister, 1972; Laville e Sainsaulieu, 1997) e, desde Weber, há uma sociologia económica que enquadra os conceitos de economia social e de economia solidária com ênfase no encastramento da economia (Bidet 2009). Parsons, que perspetivava nas organizações voluntárias a função de integração, inspira a ideia de um sector específico e a Gesellschaft de Tonnies, ou a solidariedade, em Durhkeim contribuem para a ideia de um sector da sociedade civil.
Em Portugal, vemos também desabrochar no último quarto do século XX organizações, grupos e mobilizações mais ou menos espontâneas, estimuladas ainda pelo contexto da Revolução que pôs fim à ditadura, assim como alguns estudos nas emergentes ciências sociais. Mas só mais tarde é que podemos dizer que o campo se impõe, quer porque proliferam associações, grupos informais e movimentos sociais quer porque surge um oferta formativa significativa, quer por haver uma massa crítica crescente de pessoas que se dedica de forma mais ou menos sistemática ao seu estudo.
A heterogeneidade deste campo de estudo é uma das causas da sua lenta afirmação. Trata-se de um campo multidisciplinar e transdisciplinar, pois também economistas, politólogos/as e muitos outros/as se têm debruçado sobre ele. O enfoque nestes conceitos atravessa fronteiras disciplinares, e muitos dos seus objetos de estudo são tratados em vários ramos da sociologia, mas é indubitável que a sociologia tem tido um papel central no estudo destes conceitos e realidades empíricas.
Ao longo dos anos, profissionais, investigadores/as e professores/as desta área têm encontrado na APS um espaço para apresentar o seu trabalho e discutir as suas práticas, enquadrados/as em várias áreas temáticas. Ao criar este espaço especializado de debate na APS estamos em crer que contribuiremos, ainda que modestamente, para a afirmação da sociologia e para o crescimento da APS.